"Longe é um lugar perto que se chega com paciência."
(Fábio Ibrahim El Khoury)

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Tudo Flui - Heráclito

  
Heraclito ou Heráclito de Éfeso foi um filósofo pré-socrático considerado o "Pai da dialética".

  



TUDO FLUI
Heráclito (535-475 a.C.)

Tudo flui? À primeira vista poderíamos pensar que Heráclito tinha recorrido ao testemunho de Tales de Mileto, que dissera que a água era a essência de todas as coisas. A novidade em Heráclito é que considerava que a água era um elemento dinâmico. Para ele tudo está em constante fluxo. Tudo se transforma, tudo passa, tudo muda. Nada permanece como é.
No entanto, definir Heráclito como um filósofo da água provocaria, em primeiro lugar, a sua cólera, pois considerava que a água era o pior para o homem, uma vez que tudo esconde nas suas profundezas. Para Heráclito a substância originária de todas as coisas era o fogo, já que o fogo se transmuta “no universo e o universo no fogo”, tal como se pode ler nos fragmentos de textos da sua autoria que se conservam.
Tal como Tales, Heráclito provinha de uma família abastada. O pai descendia diretamente do fundador da cidade de Éfeso, situada no interior da península da Anatólia, a atual Turquia. Em Éfeso encontra-se o templo de Artemisa, uma das sete maravilhas da Antiguidade. No dia desta deusa, chegaram a propor a Heráclito a coroa real, mas ele recusou-a e cedeu-a ao irmão que lhe era mais próximo. A política e o poder não eram do agrado deste homem, que também não era muito sociável. Além disso, não tinha os seus congêneres em elevada estima e, inclusive, criticava duramente seus próprios colegas filósofos; Hesíodo, Xenófanes e Pitágoras foram vítimas das suas críticas veementes.
Diógenes Laércio conta que, a certa altura, Heráclito estava jogando dados com uns jovens no templo de Artemisa quando uns concidadãos entraram e o criticaram por perder tempo com algo de tão pouca utilidade. 
Respondeu que aquela atividade era muito melhor do que governar a cidade com eles.
Para Heráclito, tal como explica Diógenes Laércio, a maldade dos seus concidadãos ficou demonstrada de forma definitiva quando defenestraram Hermador, então governador da cidade e amigo da família de Heráclito, com o argumento de que entre eles “ninguém podia ser o melhor e, caso isso acontecesse, que o fosse noutro lugar e entre outra gente”. Heráclito enfureceu-se: “Bem fariam os habitantes de Éfeso se se enforcassem um após o outro.” Em seguida, abandonou a cidade e tornou-se eremita.
Na solidão, escreveu um texto que, como a obra principal dos filósofos naturais, foi intitulado Da natureza. Depositou-a no templo de Artemisa mas nenhuma das pessoas que a leu a compreendeu. As frases soavam como profecias do oráculo, e as imagens ambíguas com as quais Heráclito se expressava valeram-lhe o apelido de Obscuro. Talvez fosse esse o efeito que desejava produzir, quem sabe. Seja qual for o caso, as múltiplas interpretações que suas palavras permitem fazem com que ainda hoje os filósofos o interpretem de forma muito diversa. Dito de outra maneira: as frases de Heráclito permitem que cada um as tome como melhor lhe convenha. De certo modo, a máxima “Tudo flui” também é aplicável à história da recepção do pensamento de Heráclito.
De que falava Heráclito? Não lhe interessava tanto a fixidez das coisas, mas antes a sua fugacidade, o passado e o devir, por isso via o ser como uma mutação permanente. Para ele, a vida era uma luta constante entre os contrários. Se combinarmos a frase “Tudo flui” com outra das suas célebres máximas, “A guerra é a mãe de todas as coisas”, chegaremos ao cerne do seu pensamento. Para Heráclito, os opostos como o pró e o contra, o ser e o nada, fazem avançar o mundo e a vida. Pode-se dizer que em Heráclito aparece pela primeira vez o delineamento de tese e antítese e, com ele, a dialética. Com os sofistas, como por exemplo Protágoras, esse modo de pensar iria ocupar o centro da filosofia e conheceria o seu primeiro florescimento graças a Sócrates.
Com a frase “Tudo flui”, Heráclito adotou uma posição contrária à do seu contemporâneo Parmênides, que, à semelhança de muitos dos pensadores do seu tempo, era da opinião de que no ser nada fluía. Para Parmênides, o ser era imóvel e imutável; tudo estivera desde sempre presente e se o ser humano percebe as mudanças trata-se apenas de uma ilusão dos sentidos. Se alguém interroga a razão, deve reconhecer que só existe ser e não ser.
Enquanto Parmênides se baseava no ser e na razão pura, Heráclito preferia acreditar nos sentidos e na sua percepção das mudanças. Assim, Heráclito traçou o contraprojeto do pensamento dominante da sua época.
Temos conhecimento da frase de Heráclito “Tudo flui” por meio de Platão, que, no diálogo Crátilo, coloca as palavras pánta rhei (tudo flui) na boca de Sócrates, que, por sua vez, esclarece ter aprendido essa máxima com Heráclito. Os textos de Heráclito que se conservam (poucos foram os fragmentos que sobreviveram aos tempos) não contêm a citação literal “Tudo flui”. No entanto, neles encontramos duas frases (que variam segundo a tradução) que adquiriram realmente certa fama e podem ser consideradas variações ampliadas daquela. A primeira delas diz: “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio.” Esta frase significa que, quando mergulhamos pela segunda vez num rio, a água que ele transporta é totalmente nova e que também nós mudamos. Por isso, a segunda vez não é como a primeira. A outra frase que se conservou é uma mera variante da anterior: “No mesmo rio entramos e não entramos, pois somos os mesmos e não o somos.”

by Helge Hesse

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