"Longe é um lugar perto que se chega com paciência."
(Fábio Ibrahim El Khoury)

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DIÁLOGO COM SÓCRATES

Um dia, em Delfos, alguém perguntou a Sócrates:
- Mestre, que é saber ?
-É não saber.
-Que é não saber?
-É conceber verdades mais altas que não interessam à maioria das pessoas.
- Que significam essas verdades?
- Eu te respondo: é o transcendente, considerado utópico.
- A que leva essa conquista?
- Ao conhecimento de si mesmo.
- Que é si mesmo?
- A miniatura de Deus, por assim dizer.
- Mas, que é Deus?
- A luz mais profunda da sabedoria, digo melhor, da própria vida.
- Volto à pergunta original: que é saber?
- Respondo com outras palavras, sem pretensão de dizer tudo: saber mesmo constitui mergulho no silêncio, que é música, a música que só pode e só deve ser sentida, e, nunca definida ou formalizada.
- Mestre, como posso transmitir tudo isso aos outros? Quero ser útil...
- Sendo tu mesmo, isto é, reassumindo tua função no Universo, comunicando naturalmente na linguagem inarticulada do amor em ação, que vale a pena viver dando o melhor pela felicidade de todos.


TAGORE

Krishnamurti: Porque nos magoamos

Jiddu Krishnamurti
 


Porque nos magoamos

Na mesma varanda, com o perfume do jasmim e a flor vermelha da árvore alta, havia um grupo de moças e rapazes, de rostos brilhantes e aparência extraordinamente jovial. Um dos membros do grupo perguntou:

I – Alguma vez você fica magoado, senhor?

K – Fisicamente, você quer dizer?

I – Não é bem isso. Não sei como expressá-lo em palavras, mas sentimos em nosso íntimo que as pessoas podem nos causar mal, ferir-nos, fazer-nos infelizes. Alguém diz qualquer coisa e nós nos encolhemos. Refiro-me a isso quando falo em nos magoar. Todos nos magoamos uns aos outros desse jeito. Alguns o fazem deliberadamente, outros sem o saber. Por que ficamos magoados? É tão desagradável!

K – A mágoa física é uma coisa, e a outra é muito mais complexa. Se você for magoado fisicamente, saberá o que fazer. Irá procurar um médico e ele tentará curá-lo. Mas se a lembrança da mágoa persistir, você estará sempre nervoso e apreensivo, o que criará uma forma de medo, justificado pela permanência da lembrança da mágoa passada, que não quer ver repetida. Isso é perfeitamente compreensível e o medo pode tornar-se neurótico ou ser tratado de modo sadio, sem excessiva preocupação. Mas a outra mágoa, a interior, necessita de cuidadosa análise. Precisamos aprender muita coisa sobre ela.
Em primeiro lugar, por que você fica magoado? Desde a infância, este parece ser um fator importante em nossas vidas: não se magoar, não ser ferido por outra pessoa, por uma palavra, por um gesto, por um olhar, por uma experiência. Por que nos magoamos? Porque somos sensíveis, ou porque temos uma imagem de nós mesmos que precisamos proteger, que sentimos ser importante para a nossa existência, uma imagem sem a qual nos sentimos perdidos, confusos? Existem as duas razões: a imagem e a sensibilidade. Compreendem o que queremos dizer com o sermos sensíveis tanto física como interiormente? Se forem sensíveis e um tanto tímidos, retrair-se-ão em si mesmos, erguerão um muro ao redor de si mesmos, a fim de não serem magoados. É o que fazem, não é? Uma vez que tenham sido magoados por uma palavra ou por uma crítica, que os tenham ferido, passam a construir um muro de resistência. Não querem continuar vulneráveis. Vocês podem ter uma imagem, uma idéia de si mesmos de que são importantes, de que são inteligentes, de que sua família é melhor do que as outras, de que disputam jogos melhor do que outros. Vocês têm essa imagem de si mesmos, não têm? E quando a importância dela é posta em dúvida, abalada ou despedaçada, vocês se sentem muito magoados. Há autopiedade, ansiedade, medo. E se o fato se repetir, construirão uma imagem ainda mais forte, mais afirmativa, mais agressiva, etc. Vocês se protegem para que ninguém os perturbem, o que também significa erguer um muro contra qualquer invasão. De modo que tanto o sensível quanto o que faz a imagem produzem os muros de resistência. Sabem o que acontece quando erguem um muro à sua volta? O mesmo que acontece quando constróem um muro muito alto em torno de sua casa. Não vêem os vizinhos, não recebem a luz do sol em quantidade suficiente, vivem num espaço muito reduzido com todos os membros de sua família. E, não tendo espaço bastante, começam a mexer com os nervos uns dos outros, brigam, ficam violentos, desejam ir embora e se revoltam. E se tiverem dinheiro suficiente e suficiente energia, construirão outra casa com outro muro em torno dela, e assim por diante. A resistência implica falta de espaço e é fator de violência.

I – Mas - perguntou um deles – não devemos proteger-nos?

K – Contra o quê? Vocês devem se proteger, naturalmente, da doença, das chuvas e do sol; mas quando perguntam se não devemos nos proteger, não estarão pedindo para erguer um muro a fim de não serem magoados? Pode ser seu irmão ou sua mãe a pessoa contra a qual erguem o muro, pensando em se defender; no fim, porém, isso conduz à sua própria destruição e à destruição da luz e do espaço.

I – Mas – acudiu uma moça de longos cabelos trançados – o que devo fazer quando me magoam? Sei que estou magoada. Eu me magôo com muita freqüência. Que devo fazer? O senhor diz que não se deve erguer um muro de resistência, mas não posso viver com tantas mágoas.

K – Compreenda, se me permite questionar, por que está magoada? E quando se magoa? Olhe para aquela folha ou para aquela flor. É muito delicada e sua beleza está na própria delicadeza. É terrivelmente vulnerável e, no entanto, vive. E você, que se magoa facilmente, acaso se perguntou quando e por que se magoa? Por que você se magoa – quando alguém diz alguma coisa de que não gosta, quando alguém é agressivo, violento com você? Por que você se magoa? Se se magoar e erguer um muro em torno de si mesma, o que significa retraimento, você passará a viver num espaço muito pequeno dentro de si mesma. Nesse espaçozinho não haverá luz nem liberdade e, assim, será mais e mais magoada. Por isso mesmo a questão se resume em saber se você é capaz de viver livre e feliz, sem ser magoada, sem erguer muros de resistência. Essa é a questão importante. Não a maneira de reforçar os muros nem o que fazer quando há um muro ao redor de seu espaçozinho. Portanto, há duas coisas envolvidas nisso: a lembrança da mágoa e a prevenção de mágoas futuras. Se essa lembrança persistir e você lhe acrescentar novas lembranças de mágoas, o seu muro se tornará mais forte e mais alto, o espaço e a luz se tornarão menores e mais embaçados, e haverá grande sofrimento, uma autopiedade cada vez maior e muita amargura. Se você vir com bastante clareza o perigo disso, sua inutilidade, a lástima que isso é, as lembranças passadas se desvanecerão. Mas você tem de ver isso como veria o perigo de uma cobra venenosa. Você sabe que o perigo é mortal e não se aproxima dele. Consegue ver da mesma forma o perigo das lembranças passadas com suas mágoas, seus muros de autodefesa? Consegue ver realmente, assim como vê esta flor? Se o vir, ele inevitavelmente desaparecerá.
Assim, você já sabe o que fazer com as mágoas passadas. E como olhará as futuras? Não será construindo muros. Isso é claro, não é? Se o fizer, será cada vez mais magoada. Observe com cuidado, por favor. Sabendo que você poderá ser magoada, como impedirá que a mágoa ocorra? Se alguém lhe disser que você não é inteligente nem bonita, você se sentirá magoada, ou zangada, que é outra forma de resistência. Ora, o que você pode fazer? Você viu como as mágoas passadas se desvanecem sem o menor esforço; viu porque ouviu e prestou atenção. Agora, quando alguém lhe disser alguma coisa desagradável, fique atenta; preste muita atenção. A atenção impedirá que a mágoa atinja o alvo. Você compreendeu o que queremos dizer com atenção?

I – O senhor quer dizer concentração, não é?

K – Nâo exatamente. A concentração é uma forma de resistência, uma forma de exclusão, um fechamento de porta, uma retirada. A atenção é algo muito diferente. Na concentração há um centro de onde se realiza a ação da observação. Onde há um centro, o raio de observação é muito limitado. Onde não há centro, a observação é vasta, clara. Isso é atenção.

I – Receio que não compreendemos nada disso, senhor.

K – Olhem para aquelas colinas, vejam a luz que as inunda, vejam as árvores, ouçam passar o carro de bois; vejam as folhas amarelas, o leito seco do rio, o corvo sentado no galho. Olhem para tudo isso. Se olharem a partir de um centro, com o seu preconceito, seu medo, sua simpatia e sua antipatia, não verão a vasta extensão da terra. Seus olhos estarão enevoados, terão ficado míopes e a sua visão será deformada. Não podem olhar para tudo isso, para a beleza do vale, para o céu, sem o centro? Pois isso é atenção. Portanto, ouçam com atenção e, sem o centro, a crítica alheia, o insulto, a raiva, o preconceito alheios. E porque não há centro nessa atenção, não há possibilidade de serem magoados. Mas onde há centro, a mágoa é inevitável. E a vida se torna um grito de medo.

O Começo do Aprendizado – Editora Cultrix
Titulo do Original – Beginnings of learning


Abaixo, um vídeo para apreciação...


É possível nunca ser magoado?
Extrato da palestra de Krishnamurti realizada em Ojai, legendas em portugues.

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ICK

Gasparetto: Pare de esperar algo de Alguém. Espere algo de si mesmo

Saiba mais sobre Luiz Antonio Alencastro Gasparetto


Pare de esperar algo de Alguém. Espere algo de si mesmo

 


"Tudo tem começo e meio. O fim só existe para quem não percebe o recomeço". 
Gasparetto

Krishnamurti: "fofoca"

Fofoca

Alfredo Volpi (1896-1988)

Pergunta: A fofoca tem valor na autorevelação, especialmente ao revelar os outros a mim. Seriamente, por que não usar a fofoca como meio de descobrir o que é? Eu não fico arrepiado com a palavra “fofoca” apenas porque ela tem sido condenada durante anos. Krishnamurti: Por que será que fofocamos? É porque isto revela os outros a nós? E por que os outros nos deveriam ser revelados? Por que você quer saber dos outros? Por que este extraordinário interesse nos outros? Em primeiro lugar, por que fofocamos? É uma forma de inquietação, não é? Como o tédio, é uma indicação de uma mente inquieta. Por que este desejo de interferir com os outros, saber o que os outros estão fazendo, dizendo? É uma mente muito superficial que fofoca, não é? – uma mente inquisitiva que está direcionada erroneamente. O interrogante parece considerar que os outros se revelaram a ele por seu interesse neles – nos seus feitos, seus pensamentos, suas opiniões. Mas nós conhecemos os outros se não conhecemos a nós mesmos? Podemos julgar os outros, se não conhecemos o caminho de nosso próprio pensar, o modo como agimos, o modo como nos comportamos? Por que esta extraordinária preocupação com os outros? Não é uma fuga, realmente, este desejo de descobrir o que os outros estão pensando e sentindo e falar a respeito? Isto não nos oferece uma fuga de nós mesmos? Não existe aí também o desejo de interferir na vida dos outros? Nossa própria vida não é suficientemente difícil, suficientemente complexa, suficientemente dolorosa, sem lidar com os outros, interferir com os outros? Há tempo para pensar nos outros desta maneira fofoqueira, cruel, feia? Por que fazemos isto? Você sabe, todo mundo faz. Praticamente todo mundo faz fofoca sobre alguém. Por quê? Eu penso, primeiro de tudo, fofocamos sobre os outros porque não estamos suficientemente interessados no processo de nosso próprio pensar e de nossa própria ação. Queremos ver o que os outros estão fazendo e talvez, falando gentilmente, imitá-los. Em geral, quando fofocamos é para condenar os outros, mas, ampliando caridosamente, é talvez para imitar os outros. Por que desejamos imitar os outros? Isto tudo não indica uma extraordinária superficialidade de nossa parte? É uma mente extraordinariamente estúpida que quer excitação, e sai dela mesma para conseguir. Em outras palavras, fofocar é uma forma de sensação, não é? – à qual nos permitimos. Pode ser um tipo diferente de sensação, mas existe sempre este desejo de encontrar excitação, distração. Se a pessoa entra de fato profundamente nesta questão, volta para si mesma, o que mostra que a pessoa é realmente extraordinariamente superficial e busca excitação do lado de fora falando dos outros. Pegue a si mesmo da próxima vez em que estiver fofocando sobre alguém; se você estiver atento, isto lhe indicará um pedaço terrível de você mesmo. Não disfarce isto dizendo que você é simplesmente inquisitivo. Isto indica inquietude, uma sensação de excitação, superficialidade, falta de interesse real e profundo nas pessoas que nada tem a ver com fofocar.

Krishnamurti to Himself Ojai California Tuesday 10th March, 1983

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