"Longe é um lugar perto que se chega com paciência."
(Fábio Ibrahim El Khoury)

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Krishnamurti e você

Difícil querer fazer um comentário que antecede o que vem abaixo. Então deixo com vocês algumas profundas reflexões... sem delongas.

É Krishnamurti e você!



Jiddu Krishnamurti



Pergunta: Porque é que tenho medo da morte? E o que está para além da morte?

Penso que uma pessoa tem medo da morte porque sente que não viveu. Se for um artista, pode ter medo que a morte o leve antes de ter finalizado o seu trabalho; tem medo porque não se realizou. Ou se for um homem de vida comum, sem capacidades especiais, tem medo porque também não se realizou. Você diz, “Se me cortarem a minha realização, o que resta? Como eu não compreendo esta confusão, esta labuta, esta escolha e conflito incessantes, existirá uma oportunidade ulterior para mim?” Tem medo da morte quando não se realiza na ação; isto é, tem medo da morte quando não enfrenta a vida integralmente, completamente, com plenitude da mente e com sentimentos verdadeiros. Por isso, a questão não é porque tem medo da morte, mas antes, o que o impede de enfrentar a vida na íntegra. Tudo tem que morrer, tem que se gastar. Mas se tiver a compreensão que lhe permita enfrentar a vida integralmente, então nisso haverá vida eterna, imortalidade, nem princípio nem fim, e não há medo da morte. Novamente, a questão não é como libertar a mente do medo da morte, mas como enfrentar a vida integralmente, como enfrentar a vida para que haja realização.

Para enfrentar a vida na íntegra deve-se estar livre de todos os valores defensivos. Mas as nossas mentes e os nossos corações estão sufocados com tais valores, que tornam a nossa ação incompleta, e por isso existe o medo da morte. Para encontrar o valor verdadeiro, para se libertarem deste contínuo medo da morte, e do problema da vida após a morte, têm que conhecer a verdadeira função do indivíduo, tanto no criativo como no coletivo.

Agora quanto à segunda pergunta: O que está para além da morte? Existe uma vida após a morte? Sabem porque é que uma pessoa geralmente faz tais perguntas, porque quer saber o que está no outro lado? Ela pergunta porque não sabe como viver o presente; está mais morta que viva. Ela diz, “Deixa-me descobrir o que vem depois da morte”, porque não tem a capacidade de compreender este eterno presente. Para mim, o presente é eternidade; a eternidade reside no presente, não no futuro. Para  quem assim se interroga a vida tem sido toda uma série de experiências sem realização, sem compreensão, sem sabedoria. Por isso para ele a vida após a morte é mais atraente que o presente, e por isso as inumeráveis perguntas sobre o que está para além. O homem que se interroga sobre a vida após a morte já está morto. Se viverem no eterno presente, a vida após a morte não existe; então a vida não é dividida em passado, presente e futuro. Então há apenas plenitude, e aí há o êxtase da vida.


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Pergunta: Acha que a comunicação com os espíritos dos mortos é uma ajuda para a compreensão da vida na sua totalidade?

Porque deveria pensar que os mortos são mais prestáveis que os vivos? Porque os mortos não o podem contradizer, não se lhe podem opor, ao passo que os vivos podem. Na comunicação com os mortos você pode ser fantasista; por isso conta mais com os mortos que com os vivos para o ajudarem. Para mim, a questão não é se há vida para além daquilo a que chamamos morte; para mim, tudo isso é irrelevante. Algumas pessoas dizem que se pode comunicar com os espíritos dos mortos; outras, que não se pode. Para mim, a discussão parece de muito pouco valor; porque para compreender a vida com as suas velozes deambulações, com a sua sabedoria, não pode contar com outros para que o libertem das ilusões que você criou. Nem os mortos nem os vivos o podem libertar das suas ilusões. Só no interesse desperto pela vida, na constante vigilância da mente e do coração, existe o viver harmonioso, existe a realização, a riqueza da vida.


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Pergunta: Diz que ninguém nos pode ajudar a não ser nós próprios. Não acredita que a vida de Cristo foi uma expiação dos nossos pecados? Não acredita na graça de Deus?

Estas são palavras que receio não compreender. Se quer dizer que outro o pode salvar, então eu digo que ninguém o pode salvar. Esta ideia de que outro o pode salvar é uma confortável ilusão. A grandeza do homem é que ninguém o pode ajudar ou salvar a não ser o próprio homem. Vocês têm a ideia de que um Deus externo nos pode mostrar o caminho através deste conflituoso labirinto da vida; que um professor, um salvador do homem, nos pode mostrar o caminho, nos pode retirar, nos pode conduzir para fora das prisões que criamos para nós próprios. Se alguém lhes der liberdade, tenham cuidado com essa pessoa, porque apenas criarão outras prisões através da vossa falta de compreensão. Mas se questionarem, se estiverem despertos, alerta, constantemente conscientes da vossa ação, então a vossa vida é harmoniosa; então a vossa ação é completa, porque nasce da harmonia criativa, e esta é a verdadeira realização.


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Pergunta: Fiquei com a impressão de que tem um certo desdém pela aquisição de conhecimento. Quer dizer com isso que a educação ou o estudo dos livros – por exemplo, o estudo da história ou da ciência – não tem valor? Quer dizer que o senhor mesmo não aprendeu nada dos seus professores?

Eu estou a falar de viver uma vida completa, uma vida humana, e nenhuma quantidade de explicações, sejam de ciência ou de história, libertará a mente e o coração do sofrimento. Pode estudar. Pode aprender a enciclopédia de cor, mas você é um ser humano, ativo; as suas ações são voluntárias, a sua mente flexível, e não a pode sufocar com conhecimento. O conhecimento é necessário, a ciência é necessária. Mas se a sua mente for aprisionada por explicações, e se for dada uma explicação satisfatória para a causa do sofrimento, então leva uma vida superficial, uma vida sem profundidade. E é isso que nos está a acontecer. A nossa educação está a tornar-nos cada vez mais néscios; não está a nos ensinar nem a profundidade do sentimento nem a liberdade de pensamento, e as nossas vidas são desarmoniosas.

O interlocutor quer saber se eu não aprendi dos professores. Receio bem que não, porque não há nada para aprender. Alguém lhes pode ensinar a tocar piano, a resolver problemas de matemática; podem ensinar-lhes os princípios da engenharia ou a técnica de pintura; mas ninguém lhes pode ensinar a realização criativa, que é a própria vida. E contudo estão sempre a pedir para ser ensinados. Dizem, “Ensine-me a técnica de viver, e saberei o que é a vida.” Eu afirmo que este próprio desejo de um método, esta própria ideia, destrói a vossa liberdade de ação, que é a própria liberdade da vida em si.





Jiddu Krishnamurti foi um filósofo, escritor, orador e educador indiano. Proferiu discursos que envolveram temas como revolução psicológica, meditação, conhecimento, liberdade, relações humanas, a natureza da mente, a origem do pensamento e a realização de mudanças positivas na sociedade global.




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